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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Dívidas subiram mais do que receitas no futebol brasileiro nos últimos oito anos, aponta estudo


O crescimento da economia brasileira rendeu ótimos dividendos ao futebol do País nos últimos oito anos. As receitas saltaram de R$ 805 milhões para R$ 2,7 bilhões entre 2003 e 2011, e devem ter ultrapassado os R$ 3 bilhões em 2012. Motivos de comemoração? Pelo contrário. O crescimento das dívidas dos clubes no mesmo período – de R$ 1,2 bilhão para R$ 4,7 bilhões – servem para mascarar o quadro ainda pouco profissional na condução das equipes, e representa uma ameaça.
Os dados foram levantados por um estudo do consultor Amir Somoggi, especialista em marketing e gestão esportiva. Além do aumento das dívidas, os clubes brasileiros têm visto uma concentração cada vez maior das receitas entre um grupo cada vez mais restrito dos chamados “grandes” do País. Se a concentração de receitas em 2003 entre os dez times com maiores ganhos financeiros era de 58% do mercado, em 2011 subiu para 65%, com a perspectiva de subir para 66% pelos dados de 2012, o que em cifras fica na casa dos R$ 1,9 bilhão.
– Os clubes tomaram a decisão de não pagar dívida fiscal, é um equívoco. Em minha opinião, o governo federal deveria endurecer a cobrança. Outro ponto preocupante quanto ao endividamento é que a maioria das equipes está devendo muito para bancos. Veja o Corinthians, tido como dono das maiores receitas do futebol brasileiro. Só em juros bancários eles pagaram R$ 30 milhões no ano passado, não dá para entender algo assim. Não há austeridade na condução dos clubes. No Flamengo temos outro exemplo, assim como no Palmeiras: ambos antecipam receitas e aumentam suas dívidas. É muito ruim, vira uma bola de neve.
Ainda de acordo com o levantamento, o Timão cresceu nada mais nada menos do que 481% de 2003 para cá. Ainda que as receitas tenham ficado na casa dos R$ 320 milhões em 2012, segundo projeções, as dívidas se aproximam dos R$ 180 milhões. Antes que, aparentemente, a conta seja simples e aponte para um superávit a favor do caixa corintiano, Somoggi alerta para as oscilações do mercado e para a retração da economia brasileira no último ano, quando o País cresceu apenas 1%.
– Se houver uma retração de receita, seja por qualquer razão, os clubes podem ficar em sérias dificuldades. Veja o exemplo do Vasco (cresceu 308% desde 2003, com rendas na casa dos R$ 140 milhões), que está passando por sérias dificuldades (dívida estimada em R$ 372 milhões). No geral, vejo os clubes dando passos maiores do que as pernas. Eles acham que as receitas vão continuar crescendo no ritmo atual, mas as dívidas também estão subindo a patamares impagáveis.
O déficit total entre os dez clubes com maiores receitas no Brasil acumulou e ultrapassou a casa do R$ 1,1 bilhão.
Europa aponta caminhos bons e ruins ao Brasil
Sempre referência quando o assunto é futebol, a Europa apresenta quadros distintos em alguns países, dando noções do que pode ou não ocorrer no futebol brasileiro, caso o quadro que vem amaldiçoando agremiações ao longo de décadas não mude. A muito debatida profissionalização dentro das equipes, por enquanto, soa mais como discurso do que como ação, vistos os números levantados pelo estudo.
Sem qualquer alteração no quadro, a maior polarização das receitas com um número cada vez menor de clubes pode reproduzir no País algo semelhante ao visto na Espanha, onde Barcelona e Real Madrid agregam cifras infinitamente superiores aos demais times. Como resultado, a cada temporada aumentam o número de times falidos pelo país (com débitos na casa dos R$ 260 milhões, o Deportivo La Coruña pode ser a mais nova vítima), comprometendo também a competividade em competições locais.
– O caso da Espanha mostra como a acumulação de receitas em um pequeno grupo não é positiva ao futebol. Acaba sendo ruim para o esporte, e com menos times com potencial de serem campeões a concentração de dinheiro só se faz aumentar entre os dois principais times do país.
Do outro lado, a Inglaterra apresenta um modelo bem mais voltado à saúde dos clubes de uma maneira geral, dividindo o bolo das receitas (notadamente as de televisão) de uma maneira mais igualitária. No longo prazo, o nível de competitividade parece garantido, fortalecendo marcas e agradando patrocinadores do primeiro ao último colocado do Campeonato Inglês. Somoggi concorda.
– É preciso buscar o equilíbrio, dividir as receitas por algum critério de meritocracia, no qual clubes que chegam em boas colocações podem garantir mais dinheiro na temporada seguinte. É um estímulo. Na Inglaterra isso acontece, não leva em conta só o desempenho ou o número de jogos transmitidos. Lá a diferença entre o que o campeão e o último colocado recebem da TV não ultrapassa o dobro. Aqui você vê clubes da mesma divisão ganhando R$ 10 mil, R$ 15 mil, enquanto adversários levam até R$ 130 milhões. A discrepância é muito grande e o argumento de quem tem mais torcida é muito vago. Sem termos uma liga, acaba sendo cada um por si.
Frutos da Copa de 2014 não são garantia de saúde no futebol brasileiro
Os defensores da Copa do Mundo de 2014, a ser disputada em 12 cidades do País, afirmam que a entrada de dinheiro já faz do Brasil um dos mercados atraentes para o marketing esportivo no planeta. Estes mesmos ainda justificam a volta de craques que atuavam na Europa como mais um sintoma claro de que o crescimento das cifras veio para ficar e só deve crescer nos próximos anos.
O grande problema no Brasil, como se sabe, envolve a infraestrutura e a qualificação. A dinâmica é a mesma para outros setores da economia brasileira, e no futebol ela não é diferente. A construção de novos estádios, a volta de ídolos e o incremento das receitas é um passo adiante, porém é necessário que cartolas e autoridades abram o campo de visão e olhem para a situação no longo prazo. Está é a diferença entre o sucesso ou o fracasso.
– A cada Campeonato Brasileiro nós só temos três ou quatro times com chances de ficar com o título. A diferença de investimento é cada vez maior e, principalmente, falta transparência dos clubes. Isso afeta os patrocínios, é fato. Temos coisas boas a nosso favor, a economia brasileira, as novas receitas, os estádios, mas ainda vemos um ambiente de 1970 nos clubes, sem profissionalismo.
Outras saídas encontradas pelos clubes, como parcerias como a entre o atual campeão brasileiro, o Fluminense, e uma empresa, a Unimed, não parecem saudáveis a longo prazo, segundo o consultor e criador do estudo. Embora o Tricolor carioca tenha vencido dois dos últimos três Brasileiros, a dívida do clube não diminuiu. Em 2011, ela estava estimada em R$ 405 milhões. Pior que o Flu só outro carioca, o Botafogo, que deve R$ 564 milhões. Se fossem empresas e acabassem executados na Justiça, é provável que ambos e mais alguns “grandes” do futebol nacional fechariam as portas.
Para o Brasil, nem mesmo a Europa, no qual os clubes são administrados como empresas e estão sendo cada vez mais inundados com magnatas árabes e de outras partes do mundo, serve como solução final. Para Somoggi, o futebol mundial ainda busca um formato e não há hoje um parâmetro do que possa impedir os problemas apontados. O formato das ligas esportivas nos EUA também não pode ser tomado como exemplo por sua peculiaridade local. Por ora, o que há são iniciativas. Na Europa, a Uefa criou o fair play financeiro, a fim de balizar transações milionárias. Por aqui, a criação da Timemania paga o pagamento de tributos foi uma tentativa, mas ainda é pouco para solucionar os enormes rombos.
– O futebol vive um certo descontrole. Não temos ainda uma solução. Para o torcedor, o que importa são títulos e danem-se as dívidas. A vantagem na Europa é que os clubes são empresas, muitos administrados por magnatas, e estes não se importam com lucro ou equilíbrio. No Brasil não temos isso, os clubes se gabam do aumento das receitas, que não dependem mais da venda de jogadores, mas ainda hoje, sem elas, eles estariam quebrados. É um paradoxo. Ninguém aqui, nem mesmo o Corinthians, está com a vida mansa.

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